A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é uma condição determinada por inúmeros fatores que abrangem um vasto espectro de anormalidades do fígado. Recentemente, a DHGNA vem se tornando uma preocupação em crianças e adolescentes devido à sua paridade com a obesidade, considerada um fator de risco significativo para a esteatose hepática.
A obesidade infantil e a DHGNA apresentam um aumento da prevalência principalmente nos casos de sedentarismo e de dietas hipercalóricas. A esteatose hepática é considerada a manifestação hepática da síndrome metabólica, a qual é caracterizada pela resistência à insulina, obesidade visceral, hipertensão, dislipidemia e anormalidades dos níveis de glicose no soro em jejum. Comparados com crianças obesas sem DHGNA, os pacientes pediátricos com a doença geralmente apresentam níveis mais elevados de insulina, colesterol total, triglicérides, colesterol de lipoproteína de baixa densidade e glicemia de jejum, assim como valores de pressão mais elevada do sangue.
Em crianças, a perda de peso e a atividade física são consideradas tratamento de primeira linha. No entanto, a má adesão a mudanças no estilo de vida é uma realidade diária. Para que tenha um crescimento harmônico, a dieta da criança deve ser equilibrada e o princípio da pirâmide de alimentos, respeitado. O acompanhamento de um nutricionista é, portanto, crucial. Atualmente, não há diretrizes baseadas em evidências que recomendem uma dieta especial ou exercícios físicos. No entanto, aconselha-se uma redução no consumo de alimentos com libertação rápida de hidratos de carbono, especialmente frutose, não só para melhorar a resistência à insulina e reduzir a lipogênese, mas também para contrariar os efeitos pró-inflamatórios e fibrogênicos da frutose.
A cirurgia bariátrica tem se mostrado eficaz na melhora dos danos ao fígado em adultos. Para adolescentes, porém, há pouquíssimos dados disponíveis. São necessários a padronização dos critérios de elegibilidade para os adolescentes e mais estudos sobre a segurança e eficácia dessa abordagem em longo prazo.
A obesidade grave pode se beneficiar da farmacoterapia e alguns suplementos podem minimizar seus efeitos sobre o fígado.
Vitamina E – Apesar de o tratamento com vitamina E não ter sido superior ao do placebo em termos de redução do nível de alanina aminotransferase (ALT), foram observadas evidências de melhora nas características histológicas hepatocelular.
Metformina – Agente de sensibilização à insulina, reduz a produção hepática de glicose e promove a captação de glicose pelo músculo. Em 2005, Schwimmer et al. documentou uma redução esteatose hepática em crianças não diabéticas tratadas com metformina 500 mg, duas vezes ao dia, durante 24 semanas. Um estudo de 2009 envolvendo um grupo multiétnico de 50 adolescentes obesos e resistentes à insulina mostrou melhorias na prevalência da gordura no fígado e nos níveis de insulina em pacientes tratados com metformina em comparação com doentes tratados com placebo.
Ácido ursodesoxicólico – O ácido ursodesoxicólico (UDCA) protege os hepatócitos de lesões mitocondrial mediadas por sal biliar, ativa as vias de sinalização anti-apoptóticos e cumpre funções imunomoduladoras. No entanto, um estudo realizado não demonstrou eficácia no tratamento de anormalidades do fígado em crianças obesas.
Probióticos – Com a evidência crescente de que a microbiota intestinal contribui para a progressão da DHGNA, os probióticos têm sido considerados para o tratamento da DHGNA. Estudos realizados em modelos animais sugerem que os probióticos podem reduzir a inflamação do fígado e melhorar a função do intestino como barreira epitelial. Demonstrou-se que podem diminuir a lesão hepática e melhorar os testes de função hepática. Em estudo realizado em 2011, os pacientes que receberam probiótico (Lactobacillus GG) apresentaram uma melhora significativa na ALT sérica e nos níveis de anticorpos antipolissacarídeo peptidoglican, independentemente de mudanças no escore z de IMC e visceral. Com base nesses achados, os probióticos podem ser considerados uma ferramenta promissora para o tratamento da DHGNA pediátrica.
Ácidos graxos poli-insaturados – Os ácidos graxos poli-insaturados incluem ácidos graxos essenciais, como ômega-3 e ômega-6. Estudos recentes realizados em modelos animais com DHGNA e em adultos avaliaram os efeitos da terapia oral com ácidos ômega-3 e demonstraram propriedades anti-inflamatórias e de sensibilização de insulina, sugerindo o seu potencial no tratamento de esteatose hepática. Em um estudo sobre um tratamento de seis meses com ômega-3-ácido docosahexaenóico (DHA) duplo-cego, randomizado, controlado e realizado em crianças com esteatose hepática, foi relatada uma melhora na esteatose hepática e sensibilidade à insulina, sem diferenças significativas observadas entre doses de 250 e 500 mg/dia. Esses resultados positivos foram confirmados após um período de tratamento de 24 meses. Além disso, nos grupos tratados com DHA, os níveis de triglicérides reduziram após um período de tratamento de 24 meses, assim como os níveis de ALT, nesse caso após um período de 12 meses de tratamento.
Tratamento farmacológico da obesidade infantil
Intervenções no estilo de vida continuam a ser o melhor tratamento para a obesidade pediátrica, no entanto, a farmacoterapia concomitante pode ser benéfica para alguns pacientes. O Orlistat é uma medicação aprovada pelo FDA – Food and Drug Administration (órgão que regulamenta alimentos e remédios nos EUA) para a obesidade pediátrica e redução do índice de massa corporal (IMC), mas os efeitos gastrointestinais (GI) adversos podem limitar seu uso. A metformina tem demonstrado reduções do IMC de 0,17-1,8 kg/m2, com leves efeitos adversos que podem ser minimizados com titulação da dose. O topiramato e a zonisamida reduzem o peso quando usados no tratamento da epilepsia. Evidências sugerem que outros antidiabéticos e medicamentos antiepilépticos também podem trazer benefícios na perda de peso, mas sua segurança deve ser avaliada.
Atualmente, não existe um verdadeiro consenso sobre os tratamentos para DHGNA pediátrica e obesidade infantil. Os benefícios das mudanças no estilo de vida são amplamente aceitos. No entanto, no caso dos tratamentos farmacológicos, algumas controvérsias persistem. A melhor maneira de gerenciar essa condição é adaptar o tratamento para cada paciente, considerando também as comorbidades existentes.
Fitoterápicos como alternativa
Na obesidade infantil, observa-se, com frequência, intolerância à glicose e resistência à insulina. Alguns suplementos e fitoterápicos podem ser utilizados para melhorar a homeostase nessas crianças. Estudos demonstraram que a suplementação de Psyllium melhora a homeostase da glicose e o perfil dos lipídeos e lipoproteínas. Também podem ser utilizados suplementos para aumento do gasto energético. A associação de cafeína e efedrina reduziu o peso corpóreo, o IMC e a gordura corpórea, podendo ser uma terapia segura e efetiva para o tratamento da obesidade em adolescentes. Outro estudo interessante publicado no European Journal of Pediatrics avaliou o uso de goma guar. Os resultados demonstraram redução do fibrinogênio plasmático, da necessidade de insulina, da osmolalidade sérica e da viscosidade do plasma.
Uma terapia de primeira linha concentra-se em uma dieta e mudança no estilo de vida e, para isso, recomenda-se uma abordagem multidisciplinar. No entanto, no caso de má adesão ou na ausência de resposta a mudanças no estilo de vida, as terapias farmacológicas devem ser iniciadas a fim de evitar danos graves aos órgãos. Mais estudos são necessários para a identificação de novos alvos terapêuticos.
Por fim, o papel do pediatra é também detectar o excesso de peso entre os pacientes e aconselhá-los a fim de prevenir a obesidade e, subsequentemente, a esteatose hepática.
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